Matéria escrita para Revista HSM Management (edição 161)
Há algo de profundamente contraintuitivo na ambidestria organizacional, uma abordagem que, de diferentes modos, prevê gerenciar o presente e o futuro ao mesmo tempo. Ela, mais do que nenhuma outra até hoje, é que permite a empresas e gestores se olharem no espelho e se enxergarem como sistema. Por isso, pode ser considerada o booster nº 1. Entre os caminhos da ambidestria, este artigo explora um dos mais amigáveis.
Se você usa a mão direita para escrever, pode desenvolver esta habilidade com a mão esquerda, e vice-versa. Agora, imagine-se escrevendo com as duas mãos simultaneamente. Parece desafiador ou impossível?
Ambidestria Organizacional é a capacidade de atingir eficiência operacional e, ao mesmo tempo, buscar a inovação. Em um cenário de grandes transformações e rápida evolução tecnológica, as empresas têm procurado combinar flexibilidade e poder de inovação de startups, com um modelo de gestão capaz de garantir resultados consistentes e escalabilidade. Mas, será que é possível desenvolver esses dois aspectos de forma simultânea?
Entendendo esse desafio, desenvolvemos a Metodologia Ambidestra, que parte do princípio de que toda transformação organizacional é um processo sistêmico que envolve uma mudança também no nível dos indivíduos. No entanto, não estamos falando somente do famoso mindset, mas, sim, de como permitir que pessoas e organizações possam fluir e alcançar seu potencial máximo. Estamos, de fato, falando da importância do estado de flow como a chave para alcançar o alto desempenho.
Na Teoria do Estado de Fluxo, o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi descreve o “flow” como um estado de total engajamento, em que as pessoas ficam cem por cento presentes e focadas, se sentem bem e fazem o seu melhor. Em seu best-seller, “A Arte do Impossível”, Steven Kotler define o fluxo como “o código-fonte da motivação intrínseca” e defende que a produtividade aumenta 500% durante esse fluxo.
Como alcançar o fluxo?
O flow é estimulado quando as pessoas encontram motivação e inspiração nos desafios da organização, demonstram foco e determinação para questionar a situação atual e implementar mudanças significativas, e quando conseguem explorar a sua criatividade no dia a dia e manter uma abordagem de aprendizado contínuo.
Da mesma forma, é fundamental que as organizações saiam de sua zona de conforto e ajustem suas competências internas de acordo com os desafios do mercado, alcançando, assim, o estado de fluxo organizacional. Na Metodologia Ambidestra, estimulamos ativamente esses comportamentos, fundamentados em três pilares.
DIREÇÃO E TRANSFORMAÇÃO: propósito e foco para a transformação
O planejamento estratégico promove clareza de direção e visão da organização. É essencial afastar-se de uma abordagem meramente analítica, lógica e linear (que busca preservar ou apenas aprimorar os negócios existentes) e evoluir para uma abordagem de estratégia centrada em inovação. Para isso, sugerimos três passos:
- Começar definindo o porquê da existência da organização, o seu “MTP” (Propósito Transformador Massivo), que deve ser altamente ambicioso, buscando resolver desafios significativos da sociedade e estar em sintonia com crenças e valores da empresa.
- Construir uma visão de planejamento estratégico através de uma abordagem ambidestra, ou seja, que contemplem a evolução do negócio, e que busquem também oportunidades em áreas desconhecidas pela organização.
- Garantir que todos os esforços estejam alinhados e que haja compreensão e engajamento sólidos dos colaboradores, promovendo clareza e motivação em relação aos pontos definidos acima.
PESSOAS E CULTURA: o molde que garante coerência e conexão
Estratégia e cultura são duas frentes-chave para equilibrar o resultado e a eficácia dos negócios: a estratégia oferece a visão e as prioridades que trazem orientação e a cultura serve como alicerce dos comportamentos, valores e crenças que sustentam sua execução. Já as normas culturais determinam o que é aceitável ou rejeitado dentro de um grupo. Recomendamos seguir 3 passos neste processo:
- Examinar os valores, comportamentos, ritos e símbolos que regem a organização e avaliar se estão congruentes com o seu propósito e estratégia. Com base neste diagnóstico, estabelecer um novo pacto cultural.
- Avaliar se os comportamentos das pessoas, especialmente a liderança, estão em sintonia com esse novo pacto e buscar desenvolvê-los. Como suporte ao desenvolvimento das equipes, além de ampliar repertório técnico (hard skills), as habilidades comportamentais (soft skills) são tão importantes quanto. Entre elas, o desenvolvimento do equilíbrio das energias femininas e masculinas através de virtudes como: adaptabilidade, autorresponsabilidade, criatividade, determinação, eficiência, generosidade, sensibilidade e vulnerabilidade.
- Estabelecer os rituais e símbolos que sustentarão essas mudanças na prática.
“Não se pode entender um sistema a menos que se tente mudá-lo. Não se pode mudar um sistema a menos que se transforme a consciência. Não se pode transformar a consciência a menos que o sistema se veja, se perceba e se volte a si mesmo. Não se pode liderar a transformação de um sistema a menos que se perceba e se presencie o futuro à medida que ele vá emergindo.” ― C. Otto Scharmer
ESTRUTURA E PROCESSOS: o sistema que suporta a operação
A estrutura organizacional também precisa de adaptações para facilitar a transição entre os dois mundos e diferentes formatos podem ser considerados. Algumas empresas optam por separar as equipes que estão explorando novos negócios ou conceitos, outras estabelecem parcerias com aliados de fora da organização, enquanto outras preferem adotar princípios de agilidade formando times multidisciplinares. O objetivo central é reforçar a resiliência da organização, aprimorando suas habilidades com adaptabilidade e criatividade. Para isso, recomendamos três passos:
- A estrutura e os processos devem refletir a estratégia e as equipes devem se organizar levando em consideração as competências de cada indivíduo e as ferramentas adequadas.
- Ter clareza de responsabilidades para que as pessoas possam ter autonomia ao desempenharem suas funções.
- Desenvolver um modelo de trabalho onde haja transparência e clareza, e estímulo à criatividade e experimentação, criando um ambiente de aprendizagem contínua.
A Metodologia Ambidestra não é apenas um modelo de gestão, mas um caminho para a transformação organizacional. A busca constante para atingimento do flow pessoal e organizacional é a chave para enfrentar os desafios do mundo em constante mudança.
Até a proxima,
Didi e Lili